Se a imprensa brasileira quisesse ser sensacionalista, seria a melhor imprensa sensacionalista do mundo.
Por Reinaldo Azevedo
Agora
 que o inquérito sobre Demóstenes Torres foi tornado público — e vou 
aqui insistir para que se acabe com o falso sigilo de coisas assim: há 
sempre vazamentos selecionados por escroques — e que resta evidente que a
 “grande munição” contra a imprensa, com a qual Lula prometia o fim do 
mundo, era só pó de traque, cumpre fazer algumas considerações sobre a 
imprensa brasileira.
Desde que o 
PT chegou ao poder, a imprensa está sob ataque.  
Tudo ficou muito pior 
depois que veio à luz o escândalo do mensalão e que acadêmicos do PT, 
liderados por Marilena Chaui, inventaram a falsa tese da tentativa de 
golpe de estado. A maior contribuição desta estudiosa de Espinoza foi 
abrigar o pensamento de Delúbio Soares. 
O partido resolveu mobilizar 
contra a imprensa seus esbirros na Internet e montou um verdadeiro 
aparelho para intervir em portais, sites, blogs, redes sociais etc. 
Anúncios da administração direta e de estatais financiam a intervenção, o
 que é um acinte à democracia. 
(...)
A campanha 
de difamação é intensa, embora os propósitos da canalha não tenham se 
realizado. Quem liderava antes continua a liderar — e com a mesma folga.
 O que há de novo na era petista é essa pistolagem que tenta contrastar a
 verdade dos fatos com uma “verdade alternativa” — que é um outro nome 
para a mentira.
Aqui e ali, 
de modo despropositado, falso mesmo!, diz-se que a imprensa brasileira 
não sabe distinguir o joio do trigo, que escolhe o caminho do 
sensacionalismo, que é injusta com o poder e com os poderosos. Isso é 
falso de várias maneiras combinadas. Se algum mal há no setor, é seu 
alinhamento meio burro, automático, com teses de esquerda — mas deixarei
 este aspecto de lado agora. A verdade é que a imprensa brasileira está 
entre as mais bem-comportadas do mundo democrático; talvez seja a mais 
compreensiva de todas.
Explico-me. A
 grande imprensa brasileira faz uma distinção radical, sem zonas 
cinzentas, entre o que é privado é o que é de interesse público. No 
texto em que trata dos princípios da VEJA,
 Eurípedes Alcântara, diretor de Redação, esmiúça o comportamento da 
revista — e, na verdade, de toda a grande imprensa — quanto a esse 
particular. Assim, se um jornalista recebe um arquivo com informações 
escabrosas sobre a vida sexual de um político por exemplo — refiro-me 
mesmo a evidências, provas —, isso não é publicado se o dito 
comportamento não estiver relacionado a algo que diga respeito ao 
interesse da coletividade ou que fira esses interesses.
Todo mundo sabe disso. Lula sabe disso. José Dirceu sabe disso.
(...)
A grande 
imprensa brasileira tende a considerar que isso tudo é o joio. Para ser 
trigo, tem de envolver o interesse público. 
O jornalismo só se ocupou do
 filho que Renan Calheiros tinha fora do casamento quando se descobriu 
que era uma empreiteira que pagava a pensão à mãe da criança. Como ele 
era presidente do Senado, restava evidente que havia uma dimensão 
coletiva no que parecia ser apenas uma questão pessoal. Então se 
publicou.
Lula ficou 
furioso quando os negócios de Lulinha, o seu “Ronaldinho”, vieram a 
público. 
Disse que estavam mexendo com a sua família. 
Errado! Era a sua 
família — no caso, um de seus filhos — que estava mexendo com o estado 
ao receber alguns milhões da Telemar, uma concessionária de serviço 
público, de que o BNDES era sócio. Não fosse isso, ninguém se importaria
 se aquele ex-monitor de jardim zoológico tinha ou não se tornado um 
milionário.
José Dirceu,
 o consultor de empresas privadas que se esgueira em quartos de hotel, 
ficou bravo com as imagens que VEJA publicou na revista. Ora, estivesse 
ele recebendo, naquele ambiente, pessoas sem quaisquer vínculos 
com assuntos da República, ninguém teria dado um pio. Mas não! Com a sua
 folha corrida, mantinha encontros com o presidente da Petrobras, com o 
ministro do Desenvolvimento Industrial, com o líder do governo na 
Câmara… O Zé sabe muito bem que nem VEJA nem outro veículo qualquer 
teria publicado uma linha a respeito caso ele estivesse por ali para, 
sei lá, estripulias sexuais. No Brasil é assim. Mas não é assim no 
mundo, não!
(...)
A imprensa brasileira, a verdade é esta, está entre as menos 
sensacionalistas do mundo. Na verdade, ela acaba sendo tolerante em 
excesso com certos comportamentos que, embora privados na aparência, 
mesmo não estando relacionados a dinheiro público ou a princípios da 
administração pública, revelam, no entanto, o político de duas caras, o 
anfíbio, aquele que diz uma coisa e que faz outra. 
Há certos 
comportamentos individuas que são sintomas de mau-caratismo. 
No homem 
privado, problema dele e de quem com ele se relacionar; no homem 
público, pode ser indício de baixa qualidade da representação e de 
degradação da política.
(...)
A grande 
imprensa brasileira é generosa, tolerante e paciente. Permite que o 
fauno se passe por santarrão se considerar que isso é só um problema 
privado. Uma coisa é certa: a classe política brasileira seria quase 
dizimada se tivesse de enfrentar uma imprensa americana ou inglesa. E 
ouso dizer que, num primeiro momento, nem seria por causa do trabalho 
disso que se convencionou chamar “jornalismo investigativo”, que tenta 
desvendar as artimanhas dos ladrões de dinheiro público. Bastariam uma 
câmera fotográfica e alguns arquivos que chegam às redações e que são 
descartados.
E eu lamento
 constatar que a nossa democracia não é melhor do que a democracia 
americana ou britânica. Só por causa disso? É claro que não! Mas também 
por causa disso. Se, amanhã, os grandes veículos anunciarem: “Vamos 
contar tudo”, aí vocês conhecerão o que é pânico.  E eu posso garantir 
que não farão mal nenhum aos brasileiros se forem pra casa.
 

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