Mais velho, mais sofrido - e nem por isso mais sábio -, o ex-presidente Lula levou para a Câmara Municipal de São Paulo, onde receberia na segunda-feira o título de Cidadão Paulistano, as suas obsessões e os seus fantasmas: as elites e o mensalão. Ao elogiar no seu discurso a gestão da prefeita Marta Suplicy, ele se pôs a desancar a “parte da elite” de cujo preconceito ela teria sido vítima “porque ousou governar para os pobres”. Marta fez os CEUs (centros educacionais unificados), exemplificou, para acolher crianças de favelas, algo inaceitável para aqueles que não querem que os outros sejam “pelo menos iguais” a eles.
O 
ressentimento de que Lula é prisioneiro o impede de aceitar que, numa 
megalópole como esta, há de tudo para todos os gostos e desgostos - e 
não apenas no topo da pirâmide social. 
Os que nele se situam, uma 
população que o tempo e as oportunidades de ascensão de há muito 
tornaram heterogênea, não detêm o monopólio do preconceito de classe. 
Durante anos, até eleitores mais pobres, portadores, quem sabe, do 
proverbial complexo de vira-lata, refugaram a ideia de votar em um 
candidato presidencial que, vindo de onde veio e com pouco estudo, teria
 as mesmas limitações que viam em si para governar o Brasil.
Lula 
tampouco admite, ao menos em público, que dificilmente teria chegado lá 
se o destino não o tivesse levado a viver na mais aberta sociedade do 
País - que também abriga, repita-se, cabeças egoístas e retrógradas, mas
 onde o talento, o trabalho e a perseverança são os mecanismos por 
excelência de equalização social. Em 1952, quando a sua mãe o trouxe com
 alguns de seus irmãos para cá, estava em pleno andamento, aliás, a 
substituição das tradicionais elites políticas paulistas por nomes que 
expressavam as mutações por que vinha passando desde a 2.ª Guerra 
Mundial o perfil demográfico da capital.
Pelo voto 
popular, chegaram ao poder descendentes de imigrantes e outros tantos 
cujas famílias, vindas de baixo, prosperaram com a industrialização, 
educaram os filhos e os integraram, à americana, na renovada estrutura 
política. O curso natural das coisas, pode-se dizer, consumou a 
metamorfose na pessoa do carismático torneiro mecânico pau de arara 
ungido presidente da República. 
No Planalto, é bom que não se esqueça, 
ele vergastava as elites nos palanques e se acertava na política com o 
que elas têm de pior. Lula se amancebou com expoentes do coronelato do 
atraso, do patrimonialismo e da iniquidade - o mesmo estamento 
oligárquico que contribuiu para confinar à miséria incontáveis milhões 
de nordestinos.
Elas não lhe
 faltaram no transe do mensalão - “um momento”, repetiu pela enésima vez
 o mais novo cidadão paulistano, “em que tentaram dar um golpe neste 
país”. 
Na sua versão da história, as elites, a oposição e a mídia só 
desistiram de destituí-lo de medo de “enfrentarem o povo nas ruas”. 
Falso. 
Lula ainda não havia completado o trajeto da contrição - “eu não 
tenho nenhuma vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos que 
pedir desculpas” - à ameaça de apelar ao povo, quando a oposição 
preferiu não pedir o seu impeachment para não traumatizar o País pela 
segunda vez em 13 anos. Pelo menos um dos homens do presidente, ministro
 de Estado, procurou os líderes oposicionistas para dissuadi-los da 
iniciativa.
O estopim 
foi o depoimento do marqueteiro de Lula, Duda Mendonça, na CPI dos 
Correios, em agosto de 2005. Ele revelou ter recebido em conta que 
precisou abrir no paraíso fiscal das Bahamas, a conselho de Marcos 
Valério, o publicitário que viria a ser o pivô do mensalão, a soma de R$
 10 milhões pelos serviços prestados três anos antes à campanha 
presidencial do petista e ao partido. 
Afinal, parcela da bolada já 
estava no exterior e outra sairia do caixa 2 da agremiação - os famosos 
“recursos não contabilizados” que Lula admitiria existir na reunião 
ministerial que convocou para o dia seguinte da oitiva de Duda. 
 

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