quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

NÃO ME ACUSEM, EU NÃO TENHO CULPA



“Manifestamos o nosso repúdio contra a mentalidade daqueles que banalizam a vida, achando que é descartável, onde se pode matar e praticar todo tipo de crime e violência contra os cidadãos”, afirmou o arcebispo de Manaus, sobre o massacre no presídio da capital amazonense.

Uma guerra entre facções criminosas levou 56 presos a serem mortos, decapitados, esquartejados e carbonizados no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus.

Concordo com a frase, mas com intenções totalmente opostas as do arcebispo. Enquanto ele ora pelos assassinos, minhas preces são oferecidas às vítimas desses monstros. Quem, afinal, seriam os culpados pela matança? Esse jogo de palavras me enoja.

Repito, o jogo de palavras para buscar culpados a fim de justificar a maldade de monstros que tiram a vida de cerca de sessenta mil brasileiros por ano me enoja. Culpar a sociedade me ofende, como deveria ofender aos cidadãos que sustentam bandidos e que são as verdadeiras vítimas. Dá vontade de pedir indenização de cada um que se manifesta com esse discurso que me acusa, sim, pois eu sou parte dessa sociedade que eles condenam sem direito à defesa.
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"Foram os bandidos que arrancaram as cabeças dos rivais. Nenhum trabalhador entrou lá com um facão e cortou o pescoço de alguém.",  trecho do texto de Miguel Lucena, abaixo:
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QUEM DECAPITOU OS PRESOS EM MANAUS

Após o massacre ocorrido em presídio de Manaus, partidos de esquerda e ativistas de direitos humanos reapareceram com o discurso de que a culpa é da sociedade.

Dizem que é preciso reduzir as penas, diminuir o encarceramento, libertar presos, tornar as prisões mais humanas.

Os presidiários seriam vítimas do sistema, jogados nas masmorras por falta de opção.

Há presidiários que praticaram delitos de pequeno potencial ofensivo e não mereciam estar na cadeia.

A maioria dos argumentos, a meu ver, não procede.

Quem pratica pequenos delitos não fica preso. Os crimes de pequeno potencial ofensivo e as contravenções penais chegam ao Judiciário por meio de Termos Circunstanciados, sem lavratura do Auto de Prisão em Flagrante, e os juízes aplicam penas alternativas, como prestação de serviços à comunidade.

Os presos por pensão alimentícia e depósito infiel ficam em celas separadas por até 90 dias, não se misturando à massa carcerária.

Os crimes de furto, em sua maioria, salvo os de grande monta, são arquivados.

Os presos que estão no sistema praticaram assassinatos, latrocínios, assaltos à mão armada, estupros e tráfico de drogas.

Foram os bandidos que arrancaram as cabeças dos rivais. Nenhum trabalhador entrou lá com um facão e cortou o pescoço de alguém.

Penso que a repressão total ao tráfico e a legalização da venda de drogas sejam a discussão principal a ser travada neste momento.

O que mais alimenta a guerra entre organizações criminosas e a prática de outros delitos, como roubos e furtos, é o tráfico de entorpecentes.

O tráfico de drogas movimenta 400 bilhões de dólares por ano e enriquece muita gente que se apresenta como empreendedor na sociedade.

Enquanto isso, o sistema policial e judiciário abarrota as cadeias com pequenos e médios traficantes, às vezes pega algum peixe graúdo, mas dificilmente atinge quem está por trás dessa engrenagem, que envolve políticos, empresários e banqueiros.

Quem praticou crimes graves deve permanecer preso, sem acesso a aparelhos de telecomunicações, e cumprir a pena integralmente.

O problema do Brasil é que tudo é um faz-de-conta.

Não funcionam as escolas, que frustram as expectativas da maioria, a polícia ostensiva prende mal e só alcança os que agem na ponta e os presídios repetem o mesmo faz-de-conta de todo o serviço público: instalações precárias e falta de controle, sem falar na corrupção que grassa no estado brasileiro como a peste que quase dizimou a Europa na Idade Média.

Para completar, surge a notícia de que a empresa que administra presídios financiou a campanha de um parlamentar condenado por envolvimento com o narcotráfico e o governador do Amazonas pediu ajuda da Família do Norte para se eleger.


Miguel Lucena é delegado da Polícia Civil do Distrito Federal e jornalista.

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