domingo, 8 de dezembro de 2013

TRAGÉDIA SEM MÁRTIRES

Ruy Fabiano

Não há mártires no Mensalão. Cada um dos sentenciados cometeu um ou mais crimes contra o Estado – isto é, a coletividade dos que o sustentam com seus impostos (que não são poucos).

Não cometeram crimes de natureza política, ainda que a esse pretexto. Os crimes foram de desvio de dinheiro. O assaltante comum diz “mãos ao alto” a um indivíduo ou a um pequeno punhado deles. O assaltante coletivo diz o mesmo a uma incontável multidão de milhões, o que agrava o estado de quem já tem pouco.

É, pois, crime sobretudo contra os pobres e desvalidos, que dependem do Estado. Esses os fatos, a partir dos quais – e somente a partir deles – pode-se avaliar a conduta de cada qual.

Feito o preâmbulo, falemos do pivô do processo, o ex-deputado Roberto Jefferson, chamado injustamente de “delator” do Mensalão. O termo não cabe. Delator foi Joaquim Silvério dos Reis, que denunciou a Inconfidência Mineira não por divergir de seus termos, mas por descrer de seu sucesso e na ânsia de obter vantagens pessoais antecipadas com a delação.

Jefferson foi motivado pelo sentimento de que estava sendo rifado pelos comparsas. Vingança, sim; negociata, não.

Quando deu os primeiros sinais de que poria a boca no trombone, foi procurado por eles, em busca de acordo. Poderia tê-lo feito, mas optou pela ruptura, ciente de que a conta não lhe seria amena. Ninguém delata sabendo que piorará sua situação.

Jefferson chegou a declarar, quando decidiu romper, que havia “sublimado o mandato” – isto é, desistira dele e de tudo. Era um caminho sem volta e ele não o ignorava.

A partir daí, tornou-se peça essencial para a produção de justiça, inclusive contra si próprio. Nenhuma das informações que deu era falsa. Todas se confirmaram. Não apelou para o instituto da delação premiada, que poderia beneficiá-lo. Prestou um grande serviço público, ainda que movido por maus sentimentos.

Falhou apenas quando insistiu em proclamar a inocência de Lula, arrependendo-se disso já no discurso que precedeu a votação de sua cassação. Já era tarde. As CPIs e o então procurador-geral da República, Antônio Fernandez de Sousa, já haviam excluído Lula de seus relatórios. Tudo tem seu timing – e Jefferson perdera o seu quanto à inclusão de Lula nos crimes.

A acusação tardia soou como retaliação, tal como a que Marcos Valério, já sentenciado, ameaçou fazer contra o ex-presidente. Mesmo assim, o que ambos disseram não foi em vão.

Confirmou o senso comum de que Lula não poderia estar ausente de uma escaramuça que tinha como eixo a Casa Civil da Presidência da República. Centralista como é, ninguém acredita que Lula não soubesse de nada. Há declarações de José Dirceu, ao tempo em que os fatos estavam sendo apurados, de que “tudo o que fiz foi com o consentimento do presidente da República”.

Ninguém duvida. Não foi por mero sentimento de solidariedade grupal que Lula procurou ministros do Supremo Tribunal Federal para pleitear o adiamento do julgamento – e esbarrou na intransigência do ministro Gilmar Mendes, a quem ameaçou de expor irregularidades que não se confirmaram.

Lula sabia – e sabe – que a história não terminou e que, mais dia menos dia, trará novas revelações que o deixarão mal na fita. 

O ex-presidente, que chegou a pedir desculpas públicas pelo Mensalão – e que prometeu, quando deixasse o cargo, investigar o que se passou -, derivou, em seguida, para o lado oposto.

Disse que o Mensalão jamais existiu e que não passava de uma tentativa de golpe de Estado contra ele e seu governo, por parte “das elites”, que, segundo ele, não se conformavam em ver um ex-metalúrgico na Presidência da República.

A enfermidade de Jefferson, bem mais grave que a de Genoíno – um câncer no pâncreas, irreversível -, não mereceu qualquer piedade pública. Ele não tem a inserção social e midiática de seus ex-colegas de Parlamento. Mas com certeza a história o tratará melhor que aos demais companheiros de desventura.

Afinal, coube-lhe tornar imperfeito um crime que parecia perfeito – e a confirmar, ainda que movido por sentimentos não virtuosos, que, afinal de contas, o crime não compensa.

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