domingo, 7 de dezembro de 2014

MAU EXEMPLO E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Mau exemplo do governo nas contas públicas pode se propagar para os Estados

A situação está mais crítica em Alagoas, na Paraíba, no Piauí, em Sergipe e no Tocantins, que ultrapassaram o limite máximo de 49% da arrecadação nos gastos com o funcionalismo público

Dilma Rousseff durante reunião com governadores e prefeitos no Palácio do Planalto, em Brasília


O mau exemplo dado pelo governo federal ao fazer, literalmente, chantagem com parlamentares com o intuito de aprovar mudanças na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) pode ter consequências preocupantes também para os Estados. A mudança de regra com o intuito de livrar a administração federal de penalização pelo não cumprimento da meta fiscal pode servir de inspiração para que os Estados façam o mesmo. Oito governadores eleitos começarão o mandato, em 2015, com o desafio de segurar os gastos com o funcionalismo. Os estados estão estourando os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal para as despesas com pessoal, segundo levantamento feito pela Agência Brasil com base em relatórios enviados pelos governos estaduais ao Tesouro Nacional.
A situação está mais crítica em Alagoas, na Paraíba, no Piauí, em Sergipe e no Tocantins, que ultrapassaram o limite máximo de 49% da arrecadação, também chamada de receita corrente líquida (RCL), nos gastos com o funcionalismo público. Três estados - o Paraná, o Rio Grande do Norte e Santa Catarina - ultrapassaram o limite prudencial, 46,55% da RCL e já sofrem algumas sanções.
Se for levado em conta o limite de alerta (44,10%), o número de unidades da Federação com altas despesas no funcionalismo público aumenta para 17, com a inclusão do Amapá, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, de Goiás, Mato Grosso, do Pará, de Pernambuco, do Rio Grande do Sul e de Rondônia. O limite de alerta, no entanto, não implica sanções, apenas autoriza os tribunais de contas estaduais e do DF a fazer uma advertência aos governadores.
Os estados que ultrapassam o limite prudencial sofrem restrições à concessão de reajustes (apenas os aumentos determinados por contratos e pela Justiça são autorizados), à contratação de pessoal (exceto reposição de funcionários na saúde, na educação e na segurança), ao pagamento de horas-extras e ficam proibidos de alterar estruturas de carreiras. Quem estoura o limite máximo, além das sanções anteriores, fica proibido de contrair financiamentos, de conseguir garantias de outras unidades da Federação para linhas de crédito e de obter transferências voluntárias.
Deterioração — Os números mostram a deterioração das contas estaduais nos últimos quatro anos. Em dezembro de 2010, apenas a Paraíba ultrapassava o limite máximo. Goiás, Minas Gerais, o Rio Grande do Norte e Tocantins tinham estourado o limite prudencial. O Acre, Alagoas, o Pará, Paraná e Sergipe estavam acima do limite de alerta. A pior situação ocorreu no Piauí, cujos gastos com o funcionalismo saltaram de 43,28% no fim de 2010 para 50,04% em agosto deste ano.
Alagoas, Sergipe e Tocantins passaram a estourar o limite máximo nos últimos anos. No entanto, alguns estados apresentaram melhoras significativas. Historicamente acima do limite máximo, a Paraíba conseguiu reduzir os gastos com o funcionalismo de 57,35% para 49,58% entre 2010 e 2014. o Acre, a Bahia, Goiás, Mato Grosso do Sul, o Maranhão e Minas Gerais conseguiram reduzir as despesas de pessoal em relação à RCL. O Pará, acima do limite de alerta, e o Rio Grande do Norte, acima do limite prudencial, ficaram estáveis no período.
As causas — A Lei de Responsabilidade Fiscal está em vigor desde 2000 e se aplica aos três níveis de governo. Os Estados que a violarem podem ter as transferências de recursos da União suspensas. É certo que a excessiva gordura das máquinas administrativas e a má gestão explicam, em parte, os números alarmantes. Mas há ainda outro fator que tem contribuído para deteriorar as finanças estaduais: a corrosão do Fundo de Participação dos Estados (FPE). O fundo é formado por 21,5% da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e funciona como principal indutor de crescimento de Estados com baixa arrecadação. Com a desaceleração generalizada na arrecadação do governo e as desonerações do IPI promovidas nos últimos três anos, o FPE foi duramente penalizado, assim como seus repasses aos entes da federação.
A estagnação da economia nos últimos anos é outro fator que explica, em parte, o aumento da proporção dos gastos com o funcionalismo. Diretamente relacionada à atividade econômica, a arrecadação dos estados passou a crescer menos que as despesas de pessoal, que dependem de acordos salariais e dificilmente podem ser reduzidas. Na prática, os gastos com o funcionalismo só podem ser cortados por meio da demissão de funcionários comissionados ou pela não reposição de servidores que morrem ou se aposentam. Por lei, salários não podem ser reduzidos, e servidores concursados só podem ser demitidos em casos excepcionais.
O mau exemplo — Quando os Estados deixam de cumprir suas respectivas metas fiscais, cabe ao governo a tarefa de cumpri-las, ou renegociar as dívidas — já que a União é, quase sempre, o principal credor. O problema é que o governo federal também vem enfrentando problemas para honrar suas próprias metas. Ao longo da semana, conseguiu aprovar, após dias de tumulto no Congresso, uma mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias que o desobriga de cumprir a meta fiscal estabelecida no início do ano.
Agora, o Tesouro poderá abater do superávit todos os gastos com o Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) e as desonerações tributárias. A mudança nas metas não é fato novo. Governos estaduais já aprovaram alterações de seus próprios superávits quando viram que não seriam capazes de honrá-los. O problema é que, ao ocorrer na esfera federal, e com tamanho estardalhaço, a manobra abre precedentes para que os entes federativos não deem a devida importância ao controle de despesas — e transformem as mudanças de metas em rotina.
(Com Agência Brasil)

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