sábado, 6 de março de 2021

ENSAIO NO CAOS

Hoje, mais de 250 mil mortos depois e com uma quantidade desconhecida de bilhões em dinheiro público gastos para controlar a epidemia, constata-se, pelo que dizem os próprios secretários de saúde, que o sistema entregue à sua gerência está à beira do colapso — após um ano inteiro de autonomia, não conseguiram nem sequer instalar leitos suficientes nas UTIs. Se isso não é a comprovação objetiva do fracasso das autoridades estaduais e municipais, então o que seria?


(J. R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 3 de março de 2021 e na Revista Oeste)

Antes da chegada da pandemia ao Brasil, há cerca de um ano, pouca gente sabia que existe na galáxia nacional dos corpos oficiais algo chamado “Conass” — que não se perca pelo nome, mas é assim mesmo que a coisa chama oficialmente a si própria. Esse “Conass” é um “conselho” que reúne os secretários de Saúde estaduais; é presidido, acredite se quiser, por um advogado do Maranhão chamado Carlos Lula, e não por um médico ou aquilo que a mídia descreve hoje como “cientista”. Agora, enquanto durar o coronavírus, está tendo os seus quinze minutos de fama. A última realização dos membros dessa entidade é um manifesto em que propõem medidas extremas para reprimir liberdades públicas e individuais. O objetivo, no seu entendimento, é combater a covid.

De uma vez só, e entre outras coisas, os secretários querem a proibição das missas, o fechamento das salas de aula recentemente abertas, o fechamento dos bares, o fechamento das praias, mais barreiras sanitárias e um inédito “toque de recolher nacional”, do Oiapoque ao Chuí. Também querem, é claro, tornar legal o “estado de emergência” — que, como se sabe, tem o extraordinário atrativo (para quem manda nos governos) de permitir compras sem licitação — respiradores artificiais, por exemplo, e você sabe o que mais.

A maior surpresa do pacote todo é essa nova reivindicação de uma “política nacional unificada” de combate à covid — especificamente, estão querendo o tal toque de recolher “nacional”. Como assim, “nacional”? É o exato contrário do que eles mesmos exigiam um ano atrás — autonomia completa, sem interferência de cima, para gerir o tratamento da epidemia. Foram atendidos, nisso, pelo Supremo Tribunal Federal, que, na prática, deu aos governadores e aos prefeitos a responsabilidade exclusiva na área — ao proibir expressamente o governo federal de interferir em decisões sanitárias das autoridades locais.

Hoje, mais de 250 mil mortos depois e com uma quantidade desconhecida de bilhões em dinheiro público gastos para controlar a epidemia, constata-se, pelo que dizem os próprios secretários de saúde, que o sistema entregue à sua gerência está à beira do colapso — após um ano inteiro de autonomia, não conseguiram nem sequer instalar leitos suficientes nas UTIs. Se isso não é a comprovação objetiva do fracasso das autoridades estaduais e municipais, então o que seria? A situação não melhora em nada, obviamente, quando se constata que nem eles estão de acordo entre si. No exato momento em que os secretários da Saúde exigem o fechamento das escolas, os secretários da Educação exigem que as salas de aula continuem parcialmente abertas. Ambos, da Saúde e da Educação, obedecem aos mesmos governos de Estado — quem está com a razão? Os dois não podem estar certos ao mesmo tempo. É um ensaio de caos, mas os governadores dizem que está tudo bem com o seu pedaço; a culpa, garantem todos, não é deles.

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