domingo, 20 de maio de 2012

PT X Imprensa

Ruy Fabiano

Entre as mudanças que o PT estabeleceu na política brasileira contemporânea, nenhuma foi tão significativa quanto as que impôs ao conceito de CPI. Concebido como instrumento da minoria para investigar o governo, passou por diversas mutações.
A primeira, com o PT ainda na oposição, foi a de se ter transformado em espetáculo político e palanque eleitoral.
O PT, como se recorda, por qualquer razão – ou mesmo sem nenhuma -, propunha que se instalasse uma CPI. Lula chegou a declarar: “Quanto mais CPIs, melhor”.
E assim o partido firmou imagem de perseguidor de corruptos e defensor da moral pública.
Se não houvesse fato concreto – como exige a lei -, tratava-se de providenciá-lo.

Ficou célebre a parceria do partido com alguns procuradores da República, projetando a figura de um deles, Luiz Francisco de Souza, versão cabocla do inquisidor Torquemada, curiosamente ausente desde que o PT chegou ao poder.

A parceria era simples – e descarada: um jornalista aliado registrava algum rumor, envolvendo alguma figura do governo. Não era necessário nem mesmo um vago indício; o rumor servia.
Mediante aquele registro, o procurador abria sindicância, realimentando o noticiário, que, de rumor em rumor, ganhava voo próprio e foros de verdade.

O PT, então, entrava em cena, pedindo uma CPI. Foi assim com o ex-chefe da Casa Civil de FHC, Eduardo Jorge, que teve sua vida pessoal e profissional devassada, sem que o acusassem de um único fato concreto.

A lógica era esta: se não há fatos, pior para os fatos. Era preciso atingir Eduardo Jorge para, por meio dele, quem sabe, encontrar algo de desabonador contra o presidente.
Nesse caso específico, porém, não deu certo: a CPI não saiu e Luiz Francisco foi condenado na Justiça e indenizar sua vítima por danos morais.

No poder, o PT imporia outra mudança: a passeata contra a CPI, invertendo suas relações históricas com aquele instituto. Saía do “quanto mais CPI, melhor” para acusá-la de ser um instrumento para desestabilizar o governo.

Entidades como União Nacional dos Estudantes (UNE) e centrais sindicais, que, ao tempo do PT oposição, engrossavam o coro das CPIs, ocupavam ruas e praças públicas para protestar contra a instalação de uma CPI para investigar a Petrobras.

Não faltavam fatos concretos, denúncias de gente da própria estatal, com documentos e depoimentos. Mas a CPI, mesmo instalada, não deu em nada. O governo a aparelhou, impedindo convocações e investigações.

O mesmo se deu com uma CPI mista (Câmara e Senado) para investigar o MST. Não deu em nada, não obstante a multiplicidade de denúncias documentadas.
Convocações e investigações eram sustadas em nome da estabilidade do governo e das instituições, algo que, como se sabe, o PT sempre defendeu.

Eis que agora surge a CPI do Cachoeira, proposta não pela minoria, mas pela maioria (outra novidade). O objetivo formal é o de investigar as conexões do contraventor Carlos Cachoeira com parlamentares, partidos e outras autoridades do Estado.
Mas o objetivo real era o de sacrificar figuras da oposição, como o senador Demóstenes Torres e o governador goiano Marcone Perillo.

No meio do caminho, no entanto, tinha algumas pedras. As conexões de Cachoeira atingem também o PT, governadores aliados e a empresa Delta, que cresceu à sua sombra, como a imprensa o tem mostrado com abundância.
Muda-se então o foco inicial, e a própria imprensa passa a ser o alvo da CPI.

A mesma imprensa, que o PT municiava em CPIs do passado, com quebras ilegais de sigilo dos acusados, agora é inimiga. Estabelece-se outra inovação: a tutela moral das fontes.
Ora, fonte de informação é prerrogativa constitucional do jornalista. Ele as escolhe e responde pela veracidade das informações. Não importa se as obteve no inferno; importa o que faz com elas, se são verdadeiras e não foram obtidas mediante alguma ilegalidade.

Não sendo assim, o que se configura é algo conhecido: a tentativa de restabelecer a censura a uma instituição sem a qual inexiste a democracia.
O PT julgava que, ao fornecer informações importantes, ao tempo em que era oposição, havia estabelecido uma parceria com a imprensa. Errou: a parceria da imprensa é com a notícia e com os leitores. Não há espaço para mais ninguém.

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