domingo, 28 de novembro de 2010

Muito longe da guerra do Rio

Por Mary Zaidan - jornalista, trabalhou nos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo, em Brasília.

No quarto dia da guerra do Rio, enquanto ônibus, vans e vidas ardiam em chamas, a presidente eleita Dilma Rousseff discutia a conveniência de dividir o Ministério das Cidades em dois – Habitação e Saneamento - e assim fatiar melhor o bolo entre o PT e os partidos aliados, cada um mais guloso que o outro.

Também alheio às mortes e ao caos nas ruas da cidade maravilhosa, o presidente Lula dedicava-se ao convescote com blogueiros chapa branca que se auto-intitulam “progressistas”. Ali, Lula falou o que queria, e sem contestação: perseguições que sofre da ‘velha mídia’, relações com o Irã, “a farsa do mensalão”.

Tudo, menos do terror que se espalhou no estado que conferiu mais de 60% dos votos à sua pupila. Votos creditados, antes de tudo, ao sucesso das UPPs.

No mesmo dia, a Câmara dos Deputados cumpria mais um ponto do seu dever de casa: a aprovação, pelas comissões técnicas, da criação de 90 novos cargos sem concurso para a Presidência da República, com gastos anuais estimados em R$ 7,6 milhões.

Um contraponto frontal às garantias de austeridade fiscal que, simultaneamente, eram asseguradas pelo triunvirato que regerá a economia do país a partir de janeiro de 2011.

O PROJETO É DE INICIATIVA DO PRESIDENTE LULA, e está agora na Comissão de Constituição e Justiça.
Se passar por lá, dispensará a votação em plenário.

Nem mesmo os bandidos descamisados e com metralhadoras nos ombros fugindo em direção ao Complexo do Alemão, cenas que na quinta-feira correram o mundo, foram capazes de desviar o foco daqueles que só pensam em si, em seu quinhão.

Enquanto gente de todos os cantos do país não desgrudava os olhos da telinha da TV, o Senado discutia a proibição de pesquisas eleitorais em um determinado prazo antes das eleições, a fim de não contaminar o pleito.

Enquanto os veículos de comunicação e as redes sociais alimentavam um círculo de solidariedade aos cariocas e até às autoridades do Rio, o que é raríssimo, voz alguma de Brasília dizia uma só palavra.
Nem Lula, nem os presidentes do Senado, da Câmara, dos partidos.
Nem governadores de outros estados.

Dilma telefonou para o governador Sérgio Cabral, ainda que no quinto dia de tiroteios, vandalismo e violência.
Já Lula, só falou provocado por jornalistas que cobriam a reunião da Unasul, na Guiana, na sexta-feira.

A batalha do Rio é seriíssima.
Desafia os mais renomados especialistas.
Não tem solução única, muito menos em curto prazo.

O secretário de Segurança Pública José Mariano Beltrame tem demonstrado vigor, não se deixando abater diante do necessário confronto, por mais grave que ele possa ser.
Conta ainda com o apoio das Forças Armadas que, como disse o ministro da Defesa Nelson Jobim, não fazem mais do que sua obrigação, até porque a segurança nacional está sob ameaça.

Mas há os que insistem na omissão ou na distância estratégica.
Quer queiram, quer não, dão margem a todo tipo de elucubração, incluindo as menos republicanas.

No mínimo, denunciam oportunismos.
Lula e Dilma fizeram da segurança do Rio cartão postal da eleição.
Durante a campanha não saíam da cidade.
Até por gratidão, deveriam estimular o povo que maciçamente lhes deu crédito e votos, devolvendo-lhe pelo menos presença e solidariedade.
Deveriam vir a público, falar com o Rio e com o país.

Palavras, ditas nas horas certas, bem sabe o presidente Lula, têm mais força do que metralhadoras.
A falta delas em certas horas pode derrotar um governante.
Ainda que Lula se acredite invencível e eterno.

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