terça-feira, 3 de maio de 2011

Retirada de famílias em porto de Eike é polêmica

Desapropriação de áreas para siderúrgica e estaleiro tira calmaria do norte fluminense
Processo foi considerado traumático pelos moradores e contrariou as recomendações do Banco Mundial.
Glauber Gonçalves - O Estado de S.Paulo

Ao falar da propriedade que terá de deixar para dar lugar aos megaempreendimentos que se instalarão no complexo industrial do Porto do Açu, o agricultor Manoel Roberto Xavier, 51, se esforça para conter as lágrimas.
Com a voz embargada, ele relata seu drama ao mostrar os tratores que avançaram sobre a plantação de abacaxi da família para abrir caminho para dutos imensos.

"Chegaram com um papel e minha irmã assinou sem saber o que era", diz.

No interior de São João da Barra, município de cerca de 30 mil habitantes no norte fluminense, relatos como esse, entre emocionados e indignados, multiplicam-se pelas pequenas propriedades rurais espalhadas por um relevo tão plano que permite enxergar o horizonte.

A calmaria do local foi perturbada há pouco mais de um mês, quando o governo do Estado começou a desapropriar a área que abrigará uma siderúrgica e um estaleiro, orçados em R$ 11 bilhões, trazidos na esteira do porto que a LLX, de Eike Batista, constrói no local.

O reassentamento de populações, processo normalmente traumático para os moradores, causou ainda mais transtornos pela forma atropelada como foi feito, contrariando recomendações do Banco Mundial, que servem como referência internacional.

A instituição insiste, por exemplo, que se dê preferência à negociação, mesmo quando decisões judiciais garantem a desapropriação sem o consentimento dos proprietários.

Não foi o que aconteceu.
Os agricultores reclamam que foram retirados de suas propriedades antes mesmo de receber o ressarcimento e dizem não terem sido avisados com antecedência da desapropriação.
Descontentes com a forma como o processo está sendo conduzido, um grupo ateou fogo em pneus na entrada do porto, forçando a interrupção das obras por dois dias na semana passada.

Surpreendida pela desapropriação, a assistente social Elliana Tauil Linhares, 60, diz que amigos lhe avisaram que oficiais de Justiça se dirigiam à sua propriedade.
Saiu às pressas da cidade de Campos dos Goytacazes, onde mora, e deparou-se com carros da polícia na entrada de suas terras.

"Me senti uma bandida.
Parecia que era eu quem queria pegar a terra dos outros",
disse, ao comentar que os oficiais romperam o cadeado da propriedade com um alicate e lhe deram duas horas para retirar o gado que mantinha na área.
Na última quinta-feira, ela voltou ao local depois de obter na Justiça a reintegração temporária da posse.

Procurada, a LLX isenta-se de culpa e afirma que o processo está sendo tocado pela Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio (Codin).
O órgão do governo do Estado sustenta que 94 famílias residem na área de 70 quilômetros quadrados a ser desapropriada, mas admite que outras têm atividades agrícolas na região.
Os agricultores, no entanto, dizem que a desapropriação envolve 1,5 mil famílias.

Os pés descalços e os acenos de mão a qualquer carro que cruza as estradas da região evidenciam a simplicidade dos moradores.
Muitos deles já idosos, não querem deixar o distrito onde nasceram e passaram toda a vida dedicando-se ao cultivo de abacaxi, maxixe e caju e à pecuária.

Casados há 40 anos, Reinaldo Toledo de Almeida, 75, e Maria Luzia Toledo de Almeida, 60, contam que perderam a posse de uma das duas propriedades que possuíam.
Sem ter para onde levar o gado, precisou vendê-lo.
No outro pedaço de terra, onde está a casa deles e as dos seis filhos, a plantação de abacaxi e a falta de pastagem impedem a permanência dos bois.

A família diz que ainda não foi ressarcida pela expropriação e que não foi orientada sobre como será feito o pagamento.

"Tenho vergonha de dizer aos meus filhos que preciso de ajuda.
Às vezes passo aperto para não pedir",
afirma a produtora.

Com medo de perder também as casas, a família afixou uma faixa na frente do terreno:
"Propriedade particular. Proibida a entrada".

Outro ponto de discórdia entre o governo e os produtores é o valor pago pelas propriedades.
A avaliação feita pela Codin estimou em cerca de R$ 90 mil o preço do alqueire.
No entanto, o vice-presidente da Associação dos Proprietários Rurais e de Imóveis (Asprim), Rodrigo Santos, quer que a área seja avaliada como um distrito industrial, designação dada pelo poder público.
"Levando-se em conta que agora é uma área industrial, o valor chegaria a R$ 960 mil", diz.

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