sábado, 22 de janeiro de 2011

Uma oposição que se deixou massacrar. Há saída?

O jornalista Reinaldo Azevedo responde num longo artigo

Escrevi ontem alguns posts sobre o bom comportamento das oposições no Brasil — o que quer dizer, na verdade, mau comportamento.
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“Em nosso país, queremos substituir o egoísmo pela moral (…); os costumes pelos princípios; as conveniências pelos deveres; a tirania da moda pelo império da razão; o desprezo à desgraça pelo desprezo ao vício; a insolência pelo orgulho; a vaidade pela grandeza d’alma; o amor ao dinheiro pelo amor à glória (…); a intriga pelo mérito (…); o tédio da volúpia pelo encanto da felicidade; a pequenez dos grandes pela grandeza do homem; um povo cordial, frívolo e miserável por um povo generoso, forte e feliz; ou seja, todos os vícios e ridicularias da Monarquia por todos os milagres da República.”

As palavras acima são parte de um discurso feito por Robespierre, um dos líderes jacobinos, a corrente mais radical da primeira safra dos revolucionários franceses.

É grande o risco de o leitor ter ouvido de um professor, em algum momento de sua vida escolar, que ali estava um cara batuta, que queria “liberdade, igualdade e fraternidade”.
Quem de nós pode ser contra o horizonte que ele propõe?
No dia 28 de julho daquele mesmo ano, Robespierre perdeu a cabeça na guilhotina.
Ainda retornarei à França do fim do século 18 depois de passar pelo Brasil do começo do século 21.

De volta para o futuro, pois:

Quem contesta o presidente Luiz Inácio Lula da Silva odeia o país.
Quem enfrenta a patrulha politicamente correta quer fazer a história marchar para trás.

Os dias andam hostis à crítica - a qualquer uma e em qualquer área.
Não é a voz do povo que expressa intolerância, mas a dos que se querem seus intérpretes privilegiados.

As urnas demonstraram que a massa de eleitores é bem mais plural do que os donos do “Complexo do Alemão” mental da política, da ideologia, da cultura e até de setores da imprensa, que tentam satanizar o dissenso.

Nesse ambiente, fazer oposição ao governo liderado pelo PT, partido que atribui a si mesmo a missão de depurar a história, é tarefa das mais difíceis, especialmente quando a minoria parlamentar será minoria como nunca antes na democracia deste país.

A pergunta óbvia é com que discurso articular o dissenso, sem o qual a democracia se transforma na ditadura do consentimento?

Não existem receitas prontas.
Mas me parece óbvio que o primeiro passo consiste em libertar a história do cativeiro onde o PT a prendeu.

Isso significa mostrar, e não esconder, os feitos e conquistas institucionais que se devem aos atuais oposicionistas e que se tornaram realidade apesar da mobilização contrária bruta e ignorante do PT.

Ajuda também falar a um outro Brasil profundo, que não aquele saído dos manuais da esquerda, sempre à espera de reparações e compensações promovidas pelo pai-patrão dadivoso ou a mãe severa e generosa, à espera da “grande virada”, que nunca virá!

Temos já um Brasil de adultos contribuintes, com uma classe média que trabalha e estuda, que dá duro, que pretende subir na vida, que paga impostos escorchantes, diretos e indiretos, a um estado insaciável e ineficiente.

Esse Brasil profundo também tem valores - e valores se transformam em política.
O que pensa esse outro país?
O debate sobre a descriminação do aborto, que marcou a reta final da disputa de 2010, alarmou a direção do PT e certa imprensa “progressista”.
Descobriu-se, o que não deixou menos espantados setores da oposição, que amplas parcelas da sociedade brasileira, a provável maioria, cultivam valores que, mundo afora, são chamados “conservadores”, embora essas convicções, por aqui, não encontrem eco na política institucional - quando muito, oportunistas caricatos os vocalizam, prestando um desserviço ao conservadorismo.

Terão as oposições a coragem de defender seu próprio legado, de apelar ao cidadão que financia a farra do estado e de falar ao Brasil que desafia os manuais da “sociologia progressista”?

Terão as oposições a clareza de deixar para seus adversários o discurso do “redistributivismo”, enquanto elas se ocupam das virtudes do “produtivismo”?

Terão as oposições a ousadia de não disputar com os seus adversários as glórias do mudancismo, preferindo falar aos que querem conservar conquistas da civilização?

Lembro, a título de provocação, que o apoio maciço à ocupação do Complexo do Alemão pelas Forças Armadas demonstrou que quem tem medo de ordem é certo tipo de intelectual; povo gosta de soldado fazendo valer a lei.

O Congresso aprovou há pouco, por exemplo, o sistema de partilha para o pré-sal.
Não se ouviu a voz da oposição, a exceção foi a senadora Kátia Abreu (DEM-TO).
O PT inventou a farsa, amplamente divulgada na campanha eleitoral, de que não passava de “privatização” o sistema de concessão, que conduziu o país à quase auto-suficiência e que fez dobrar a produção de petróleo no governo FHC.
Mentiu, mas venceu o embate.

Quais setores da sociedade as oposições pretendem ter como interlocutores?
Continuarão órfãos de representação milhões de eleitores que não se reconhecem na ladainha pastosa do “progressismo”?

As oposições têm de perder o receio de falar abertamente ao povo que trabalha e estuda.
Que estuda e trabalha.

Essa oposição tem, em suma, de enfrentar uma esquerda que, se morreu há muito tempo na economia, exerce inquestionável hegemonia na cultura e na política, onde se esforça para aplicar o seu programa, cuja marca é ódio à divergência.
Assim, ou se está com eles ou se está com o atraso, com o retrocesso, com a reação.

Ora, se o “outro”, o que pensa diferente, não é um adversário, mas um inimigo da civilização, então não merece respeito e tem de ser eliminado.
Em um comício em Santa Catarina, Lula defendeu, por exemplo, que o DEM seja “extirpado” da política, como se um governo não fosse legitimado pela oposição, sem a qual ou se tem uma ditadura, ainda que de maioria, ou se tem um concerto de políticos contra a população.

Nas ditaduras também é possível dizer “sim”.
O que caracteriza a democracia é a possibilidade de dizer “não”.


Um dos blogueiros de Lula - o Planalto criou uma incubadora deles, alimentados com ração oficial paga pelo brasileiro trabalhador - já estimulou os jornalistas a identificar quem são os 3% que consideram, segundo as pesquisas, o governo “ruim ou péssimo”.
Só faltou sugerir que os descontentes sejam identificados por algum sinal denunciador de sua condição de minoria ou usem uma tornozeleira eletrônica.
A inferência é que o real tamanho da divergência no Brasil não passa de um gueto.
Será mesmo?

Estavam habilitados a votar 135.803.366 pessoas; desse total, 29.197.152 decidiram não se apresentar às urnas; 4.689.428 anularam o seu voto; 2.452.597 houveram por bem não escolher ninguém; 43.711.388 preferiram Serra, e 55.752.529 ficaram com Dilma.

Especular sobre as virtudes e riscos de uma sociedade cindida é inútil aqui, até porque não existe cisão nenhuma.
Isso é bobagem!
O que temos, felizmente, é um país unido pelo pluralismo, que, à sua maneira, resiste às tentações do partido que se quer “único”.

Legendas identificadas com a oposição fizeram o governo em dez estados, onde estão 52% da população e quase 60% do PIB.
É a sociedade brasileira, mais do que as oposições organizadas, que diz “não” à mexicanização da política, alusão ao PRI (Partido da Revolução Institucional), que governou o México por sete décadas, abrigando correntes que iam da direita à extrema esquerda.

É chegada, então, a hora de voltar à França de Robespierre.

Suas ambições não eram pequenas.
Queria um país que fosse “o terror dos opressores e a consolação dos oprimidos”; esperava ver brilhar a “aurora da felicidade universal”.

O governo que ele liderou de 1792 até a sua morte ficou conhecido como a fase do “Terror”.
Para realizar todos os seus sonhos de justiça, começou por mandar à guilhotina os adversários, até que chegou a hora de liquidar os aliados, destino fatal de toda revolução.
Lênin, o líder da revolução russa, assassino meticuloso, levou a lição ao pé da letra.
Robespierre deixou uma herança perversa, abraçada com entusiasmo por Karl Marx e pelos marxistas: a noção de que a eliminação do adversário é uma forma de humanismo e uma expressão do progresso social e da história.
Esse princípio é parte do DNA das esquerdas.

Um país não precisa de oposição porque seu programa é necessariamente melhor do que o do governo de turno.
Um país precisa de oposição porque ela é a evidência de que se vive numa democracia e a garantia de que as disputas políticas não acabarão sendo resolvidas pela guilhotina - ainda que uma guilhotina moral.

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