sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Na ponta do lápis

Miriam Leitão, O Globo

As contas públicas do primeiro ano do governo Dilma são menos brilhantes do que parecem. Chegou-se a novembro com quase toda a meta cumprida. Ótimo.

Os problemas são: essa não é a melhor meta; o ajuste foi feito com aumento da arrecadação e da carga tributária; os gastos comprimidos foram os dos investimentos; alguns gastos continuam não sendo contabilizados.

A comparação feita pelo Ministério da Fazenda com os países europeus para mostrar que o quadro fiscal brasileiro é bem mais favorável do que países como a Inglaterra é grosseiramente equivocada. Eles estão em crise e pioraram muito os dados fiscais.

A piora deles não torna o Brasil melhor, apenas relativamente melhor.

Nós, felizmente, não estamos em crise e mesmo assim terminamos o ano com um déficit de 2,36% do PIB no critério nominal.

O país usa há muito tempo o conceito de resultado primário. Isso fazia sentido anos atrás quando ainda se estava completando o trabalho de transição para a economia de inflação controlada. Há anos o Brasil deveria prestar mais atenção ao conceito nominal; que inclui o custo do pagamento de juros e é a forma mais completa de ver as contas públicas.

Em 2005, o então ministro Antonio Palocci sugeriu que se buscasse o déficit zero, aproveitando o bom momento da economia brasileira.

A então ministra-chefe da Casa Civil disse que era um objetivo “rudimentar”. Nada mais equivocado.

Se tivesse buscado o déficit zero naquela ocasião o país teria enfrentado de forma muito melhor a crise de 2008, que levou o Brasil à recessão em 2009.

O superávit primário foi conseguido principalmente por aumento de arrecadação. A arrecadação das receitas federais aumentou 11,69% de janeiro a novembro, já descontada a inflação, em relação ao mesmo período do ano passado. A receita do Imposto de Renda Pessoa Física ficou 20,69% maior no período, só para citar um imposto.

Ao mesmo tempo, os investimentos caíram de R$ 39,82 bilhões, em 2010, para R$ 38,75 bilhões, este ano, uma redução de 2,7%.
A queda é ainda maior quando se calcula que o orçamento permitia investimentos que não foram realizados.

Já os gastos de pessoal e encargos sociais subiram 8%, de R$ 147 bilhões para R$ 160 bilhões.

Quando os dados estiverem todos calculados o Brasil vai constatar que a carga tributária aumentou mais de um ponto percentual do PIB, na visão do economista Rogério Werneck. A compressão das despesas pegou exatamente o que não deveria pegar: os recursos para investimentos.

O Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) já estima que a alta será de 1,5 ponto, que elevará a carga a 36% do PIB.
Para se ter uma ideia, em 1995, a carga tributária no Brasil era de 28,92%, ou seja, o Estado está sempre tendo que aumentar o peso dos impostos para cobrir o seu aumento de gastos.


Entra governo e sai governo, é a mesma coisa.
A cada ano, o Estado tira mais dos cidadãos que pagam impostos para cobrir gastos crescentes.
Claro que uma política fiscal assim tem limites.

O Tesouro ainda tem gastos não corretamente contabilizados como o custo que tem tido nos últimos anos – e teve de novo em 2011 – com o BNDES.

O governo chama a transferência de recursos para o banco de “empréstimos” porque assim não entra como gasto. Claro que não é empréstimo e ainda que fosse tinha que ser registrado em orçamento a diferença entre o custo de captação do Tesouro e o custo dos juros cobrados pelo BNDES dos empresários.

Esse é um ponto opaco das contas públicas e o Brasil tem que continuar o esforço de tornar mais transparentes e auditáveis os gastos públicos. O que está acontecendo entre o Tesouro e o BNDES é um retrocesso nessa tendência.

Desde a crise de 2008-2009 o BNDES já recebeu nessa modalidade de “empréstimo” R$ 285 bilhões.
Este ano foram transferidos para o banco R$ 45 bilhões.


(continua)

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