quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Um desejo e tanto

Do blog do Alon

O que lhe falta para, finalmente, ficar de bem com a vida?
Talvez a certeza de que os adversários precisarão engolir no futuro uma narrativa história hegemônica ao gosto do presidente que sai

É fascinante observar o comportamento do presidente que sai, nestes últimos dias de mandato.
É de todo não convencional.

A alegria por terminar bem o segundo e último quadriênio é compreensível.
Mais enigmática é a ofensiva permanente contra os políticos batidos, especialmente contra os derrotados com a participação direta e intensa de sua excelência.

Ainda que o valor de tal participação possa ser discutido.
O mapa eleitoral nos estados permite concluir que a coalizão do presidente ganhou onde ganharia mesmo sem a performance presencial dele, e perdeu em lugares-chave onde o chefe de governo empenhou-se pessoal e avassaladoramente pelos candidatos.

Quando o vetor presidencial foi mais decisivo?
Talvez na costura das alianças para o Senado, onde pretendia montar uma maioria confortável para Dilma Rousseff.
Conseguiu, mas isso não irradiou pelos estados, especialmente no Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

Não que as derrotas locais tirem o sono dos sacrificados, metodicamente alojados em boas posições na máquina federal.

Enfim, o presidente colhe os frutos da vitória, mas, como já se notou, o triunfo não parece ter trazido paz de espírito a sua excelência.

É até compreensível que ele continue a fustigar a imprensa e a oposição, numa operação para enfraquecer as possíveis fontes de crítica e resistência ao poder de Dilma.

Mas espezinhar os políticos derrotados nos estados?
Gente que visivelmente terá imensa dificuldade para retomar a trajetória?
Para quê?


Há explicações de viés psíquico, mas eu confesso ter algum pé atrás com essas coisas.
Políticos são especialistas em não dinamitar as últimas pontes que os ligam a adversários, que amanhã poderão ser necessários como aliados.
Daí por que a perenidade de certos rituais protetores da honra.

O presidente que sai se dá ao trabalho de percorrer o país para tripudiar sobre -e tentar cobrir de ridículo- gente que não teve sorte nas urnas.

Os gestos carregam tinturas supostamente relacionadas à política, quando entra em pauta a derrota na votação da CPMF no Senado.
Mas Dilma tem teoricamente maioria no Congresso para retomar o imposto, se decidir pagar o preço.

Será que o quase ex-presidente tenta mostrar a possíveis resistentes o que poderá lhes passar se arrumarem problemas para a sucessora?
Ou é só pessoal mesmo?


Toda vez que o tema das motivações presidenciais entra em pauta assomam duas tentações igualmente perigosas.
A primeira é analisar o personagem exclusivamente pelo ângulo da racionalidade política.
A segunda é acreditar piamente na prevalência dos aspectos emocionais.

A verdade científica deve estar em alguma combinação das duas coisas, em algum ponto intermediário, mas um detalhe é inescapável: o presidente da República que conseguiu dois mandatos para si e mais um para sua indicada não parece estar deixando o cargo de bem a vida.
Falta alguma alguma coisa, que ele parece desejar e ainda não ter.

O que lhe falta para, finalmente, ficar de bem com a vida?
Talvez a certeza de que os adversários precisarão engolir no futuro uma narrativa história hegemônica ao gosto do presidente que sai.
Seria um desejo e tanto.

Essa certeza nem ele nem ninguém pode ter com margem razoável de segurança.

Narrativas também flutuam ao sabor da política, são funções com variáveis obscuras, e que podem surgir como do nada, depois de dormitar por longos períodos.

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