quarta-feira, 3 de julho de 2013

ESCUTAR O GIGANTE

Miguel Lago e Alessandra Orofino

Quem participou das manifestações não tem dúvida de que as fontes de poder estão mudando. Há poucas décadas seria impensável ver protestos dessa magnitude sem organizações sindicais e partidárias estruturadas por trás. Hoje, podemos nos desvencilhar do fetiche da vanguarda, da liderança centralizadora e abraçar a diversidade de causas.

Os governos não estão sabendo endereçar corretamente as reivindicações, ainda que as demandas mais imediatas, como a redução da tarifa de ônibus, ou o “Não à PEC 37”, tenham sido contempladas.

Assistimos à repetição de velhos erros: falta completa de transparência e de participação, dando origem a aberrações como o anúncio de mais um subsídio às empresas de ônibus sem que houvesse uma discussão séria sobre como a multimilionária arrecadação dessas empresas é utilizada.

O governo federal parece desnorteado, pois lança a proposta de uma reforma política com o intuito de “melhorar a qualidade da nossa representação”, quando os brasileiros têm demonstrado querer ir além do voto, além da simples representação. Cidadania não se exerce apenas a cada quatro anos.


Miguel Lago, fundador do 'Meu Rio'. Foto: Ana Branco / Agência O Globo

A ausência de espaços institucionais que canalizem e aceitem de fato a participação popular desemboca diretamente na definição de prioridades de acordo com interesses obscuros, e na expressão da insatisfação de muitos cidadãos através dos canais de que dispõem: as redes e as ruas de suas cidades.

Apesar da heterogeneidade de causas, os manifestantes convergem ao dizer que processos governamentais obscuros e irresponsáveis falharam. Da mesma maneira que convergem em relação ao escopo de suas demandas: os principais temas abordados são urbanos e não nacionais.

Muitos dos mais de 80 mil membros do Meu Rio foram às ruas pedir uma cidade melhor. Nós acreditamos que o maior legado que as manifestações podem deixar para o país é o de uma reforma política que crie espaços reais de participação na gestão de cidades, e não uma que se limite a renovar ou melhorar a representação.

Um dos protestos mais interessantes que teve a participação de membros do Meu Rio foi organizado por moradores da Rocinha e do Vidigal, que pediam que os recursos investidos em suas comunidades sejam destinados prioritariamente à construção de uma rede de esgoto, e não de um teleférico. O gestor todo-poderoso não deu voz a essa população. Deveria.

Uma ferramenta que pode e deve ser usada como forma de envolver o cidadão na definição de prioridades para a sua cidade é o orçamento participativo. É através dele que, de maneira organizada, o conjunto da população, e não apenas um pequeno grupo de eleitos, pode priorizar as suas necessidades e discutir o uso de recursos públicos.

Queremos um orçamento participativo que seja o prolongamento das ruas: onde todas as opiniões e visões de mundo possam ser expressadas, mas sobretudo onde as diferentes vozes sejam escutadas, isto é, tenham poder real de influenciar o alocamento de recursos públicos da cidade.

Afinal, de pouco adianta termos o direito de falar, se o governo não tiver a obrigação de nos ouvir. Poder falar livremente foi a demanda de toda uma geração na longa noite dos vinte anos. Ser escutado: essa é hoje a nossa exigência.

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