segunda-feira, 4 de julho de 2011

A soma e o resto


Enviado por Fernando Henrique Cardoso
No blog do Noblat

Ou encontramos convergência, ou haverá riscos de ruptura ecológica e social

Tomo de empréstimo o título de um livro de Henri Lefebvre, escritor francês que rompeu com o Partido Comunista em 1958 e publicou suas razões para tanto neste livro de 1959. (...)

Hoje, ao completar 80 anos, diante do fato inescapável de que o tempo vai passando e às vezes não deixa pedra sobre pedra, eu, que não sou dado a balanços de mim mesmo (e nem dos outros), senti certa comichão para ver o que resta a fazer e a soma das coisas que andei fazendo.

Mas não se assuste o leitor: o espaço de uma crônica não dá para arrolar o esforço de oito décadas para tentar construir algo na vida, quanto mais para alistar o muito de errado que fiz, que pode superar as pedras que eventualmente ficaram em pé.
Além do mais, prefiro olhar para frente a mirar para trás.

Quando algum repórter me pergunta o que acho que ficará de mim na História, costumo dizer, com o realismo de quem é familiarizado com ela, que daqui a cem anos provavelmente nada, talvez um traço dizendo que fui presidente do Brasil de 1995 a 2003.

Quando insistem em que fiz isso ou aquilo, outra vez meu realismo — não pessimismo, nem hipocrisia de modéstia — pondera que, no transcorrer da História, quem sobra nela é visto e revisto pelos pósteros ora de modo positivo, ora negativo, dependendo da atmosfera reinante e da tendência de quem revê os acontecimentos passados.
Portanto, melhor não nos deixarmos embalar pela ilusão de que há pedras que ficam e que serão sempre laudadas.

Além do mais, dito com um pouco de ironia, se o julgamento que vale para os homens políticos e mesmo para os intelectuais é o da História, de que serve o que digam de nós depois de mortos?

Pois bem, se é assim, se o que vale é o agora, não tenho palavras para agradecer a tantos, e foram muitos, os que se referiram a mim com generosidade neste passado mês de junho.

Mesmo sabendo, repito, da efemeridade dos juízos, é bom escutar pessoas próximas, não tão próximas e mesmo distanciadas por divergências, procurarem ver mais o lado bom, quando não apenas ele, e expressarem opiniões que me deixaram lisonjeado e, a despeito de meu realismo, quase embalado na ilusão de que fiz mais do que penso ter feito.

Como não posso agradecer a cada um pessoalmente, nem desejo deixar de lado alguém, nem os muitos que me disseram pessoalmente palavras de estímulo ou as registraram por cartas, e-mails ou na web, aproveito esta página de jornal para reiterar que não sei como exprimir o quanto a solidariedade dos contemporâneos me emocionou.

Não posso me queixar da vida.
Vivi a maior parte do tempo dias alegres, mesmo que muitas vezes tensos.
Assim como senti as perdas que fazem parte de sobreviver.
Perdi muita gente próxima ou que admirava à distância nestes 80 anos.
Pais, irmãos, mulher, amigos, amigas, companheiros de vida acadêmica e política.

Ainda agora, para que nem tudo fosse rosas, perdi às vésperas de meu aniversário um companheiro de universidade com quem convivi cerca de 50 anos, Juarez Brandão Lopes.
E, no momento em que escrevo estas linhas, veio a notícia da morte de Paulo Renato Souza, companheiro, colaborador, grande ministro da Educação, colega de exílio.

As perdas, para quem está vivo, são relativas.
Aprendi a conviver na memória com as pessoas queridas e mesmo com algumas mais distantes, com as quais "converso" vez por outra no imaginário para reposicionar o que penso ou digo.
Tomo em conta o que diriam os que não estão mais por aqui, mas deixaram marcas profundas em mim.

Na soma, não cabe dúvida, mantive mais amigos que adversários.
Não sinto rancor por ninguém, talvez até por uma característica psicológica, pois esqueço logo as coisas de que não gosto e procuro me lembrar das que gosto e pelas quais tenho apego.
(continua)

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