quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Lambança político-industrial

Leia editorial do Estadão do final de semana:

O governo acaba de promover, sob o disfarce de política industrial, mais uma lambança a favor de grupos selecionados.

Com o pretexto de proteger o setor automobilístico e o emprego do trabalhador brasileiro, o Executivo federal aumentou o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e definiu condições para isenção das novas alíquotas.
As condições beneficiam claramente uma parte das montadoras e criam, indiretamente, barreiras à importação de veículos e de componentes fabricados fora do Mercosul e do México.

Ao estabelecer uma discriminação baseada em critério de conteúdo nacional, o governo se expõe a ser contestado na Organização Mundial do Comércio (OMC).
O governo, segundo fontes ouvidas pela reportagem do Estado, admite essa possibilidade, mas decidiu correr o risco.

“O consumo dos brasileiros está sendo apropriado pelas importações”, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega.
Segundo ele, é preocupante ver a indústria acumular estoques e dar férias coletivas aos funcionários.

É conversa sem fundamento.
O número de veículos nacionais licenciados até agosto foi 2,2% maior que o de um ano antes, segundo a associação das montadoras (Anfavea).

A receita de exportações de veículos foi 17,3% superior à de janeiro-agosto de 2010.
A das vendas externas de máquinas agrícolas, 52,1%.
O licenciamento de veículos importados aumentou, de fato, e chegou a 22,4% do total de licenciados.
Em todo o ano passado a proporção foi de 18,8%.

Mas, com produção, venda e exportação em alta, poderia o governo ter apelado para medidas explícitas de proteção?
Conseguiria provar um surto de importação gravemente prejudicial para justificar as salvaguardas admitidas pela OMC?

A resposta parece implícita na escolha do protecionismo disfarçado.
Uma bem fundada suspeita de dumping poderia ter justificado, igualmente, uma ação defensiva.
As autoridades preferiram outro caminho, com o pretexto, também discutível, de incentivar o desenvolvimento tecnológico.

A ação adotada pelo Executivo favorece as indústrias em operação há mais tempo no Brasil e mais integradas na cadeia produtiva nacional.
Na melhor hipótese, poderá induzir os demais fabricantes a elevar até 65% o conteúdo nacional de seus produtos.
Mas isso não tornará a indústria mais competitiva.
O investimento em tecnologia - pelo menos 0,5% da receita bruta, descontados os tributos incidentes sobre a venda - é uma das condições para a empresa se livrar das novas alíquotas.
Esse requisito será com certeza cumprido ou contornado com facilidade, graças, especialmente, à notável ineficiência dos fiscalizadores.

Essa condição é obviamente um disfarce concebido para enfeitar uma decisão arbitrária e discriminatória, destinada basicamente à proteção de certos interesses particulares.
A mera proteção, explícita ou disfarçada, nunca bastou e jamais bastará para tornar mais competitiva a produção de autopeças ou de veículos.

As principais desvantagens desses e de outros segmentos da indústria são muito bem conhecidas - impostos, custos logísticos, entraves burocráticos, etc. - e não vale a pena repetir a longa lista.
Nenhuma dessas desvantagens será sequer atenuada pelas novas medidas oficiais.
Se o governo atacasse com seriedade esses problemas, todos os setores e toda a economia seriam beneficiados.

Mas favores especiais são a negação da seriedade.

Não por acaso as novas providências foram aplaudidas pela diretoria da Anfavea, dominada pelas montadoras tradicionais, e pelo vice-presidente da Força Sindical.
O presidente da Força é vinculado ao PDT, assim como o ministro do Trabalho, engajado na defesa dos novos benefícios antes do anúncio oficial.

Os brasileiros já assistiram a esse tipo de jogo, vantajoso para poucos e custeado por muitos.
Como sempre, é muito mais fácil entrar na fila dos pedintes de favores do que pressionar o governo para cortar o excesso de gastos, diminuir impostos e favorecer o investimento necessário à modernização do País.
O presidente da associação da indústria elétrica e eletrônica já entrou na fila, depois de elogiar a decisão do governo.
Política industrial digna desse nome é outra coisa.

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