segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O sofá e a sala

José Serra

Hoje em dia, quase ninguém contesta a importância da concessão de serviços públicos em áreas de infraestrutura e energia, como forma de aumentar os investimentos e melhorar a eficiência do setor.

Nas campanhas eleitorais, as “privatizações” costumam ser demonizadas, especialmente contra os tucanos, mas, em seguida, os próprios autores e seus partidos, como o PT, passam a defendê-las e a procurar implantá-las onde vencem as eleições.

Isso aconteceu depois da campanha de 2002, quando o governo Lula impulsionou a lei que modelou as Parcerias Público-Privadas (PPPs) e prestigiou o modelo de concessões na exploração de petróleo, implantado no governo FHC, que foi o responsável direto pelas descobertas do pré-sal.

Ocorreu também depois da eleição de 2006, com as concessões nas estradas federais e na exploração da energia hidrelétrica.

Agora, em 2011, o fenômeno se repete, com o anúncio das concessões em aeroportos, um dos belzebus da campanha do ano passado.

No que diz respeito aos interesses do país, o problema principal é a incapacidade do governo federal de fazer as coisas direito e com rapidez em qualquer modelo.
Por exemplo, até agora não conseguiram implantar nenhuma PPP, sete anos depois de aprovada a lei, diferentemente de estados como São Paulo ou Minas Gerais.


No seu quinto ano de existência, em 2007, o governo do PT revelou ao país ter colocado em pé o ovo de Colombo na concessão de estradas: conseguiria ótimas rodovias com pedágios baratíssimos e investidores estimulados a promover com rapidez avanços decisivos na infraestrutura.
Tudo ao mesmo tempo!

Antes de algo acontecer na vida real, começou a operar uma impressionante louvação ao ineditismo.
Diferentemente dos carros e caminhões, a mistificação não precisa de estradas para trafegar.
Na época, o entusiasmo foi tamanho que certo detalhe paradoxal acabou minimizado: o petismo sempre criticou as privatizações alheias por supostamente venderem patrimônio público subavaliado.
Celebrizou a expressão “preço de banana”.

Pois bem, as concessões rodoviárias do governo do PT não foram “a preço de banana”; foram de graça mesmo.

Com o pretexto de reduzir pedágios e estimular o concessionário a fazer rapidamente as obras, o governo entregou as rodovias à iniciativa privada sem ônus.
Quem arrematou os lotes não precisou pagar nada, diferentemente de São Paulo, onde a concessão implica uma contrapartida inicial para que o Estado garanta algum retorno do capital que investiu e mantenha sua capacidade de intervenção econômica – no setor e fora dele.

Se o PT estivesse na oposição e o governo oferecesse de graça patrimônio público a agentes privados, denunciar-se-ia o “neoliberalismo selvagem”.

Como estava no governo, praticou-o.
Se o modelo estivesse funcionando, isso poderia ficar na rubrica dos debates e disputas políticas.
Mas não funciona.

Há três meses, reportagem do Estadão mostrou que as coisas não iam bem nas estradas federais privatizadas: falta de obras, acidentes batendo recordes e mau estado de conservação, o que turbina o custo do transporte.
Pesquisa recente da Confederação Nacional dos Transportes mostrou que apenas um terço da malha federal pode ser considerado ótimo ou bom.
Em São Paulo, 75% das estradas estão nessa categoria.

Mas o governo decidiu agir: tirou o sofá da sala e estendeu para a posteridade os deveres das concessionárias.

Como os investimentos não acontecem, deixou de exigí-los.
Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, a obrigação de a concessionária investir foi remetida às calendas.
E as empresas que levaram os trechos de graça, mas não cumpriram os contratos?
O governo faz questão de mostrar sua indignação: afrouxou os contratos!

No edital do trecho da BR 101 que corta o Espírito Santo, cuja concessão será licitada, a duplicação poderá ser concluída em 2035.

Você não leu errado: 23 anos para o felizardo entregar a duplicação de 418 quilômetros de estrada!

Um quilômetro e meio por mês.
Não chega a ser estafante.
Mesmo assim, a concessão apenas chega no sul da Bahia (20 km), estado onde a BR 101 se estende por quase mil quilômetros, e é conhecida em vários lugares como a rodovia da morte.

Enfim, estradas ruins e o governo fazendo o jogo de esconde-esconde com as concessionárias.
É a típica situação em que o barato sai caro: em São Paulo, na Régis Bittencourt e na Fernão Dias, as obras não chegaram, mas os pedágios subiram bem acima da inflação.

(continua)

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