quinta-feira, 28 de junho de 2012

A GUARÂNIA DO ENGANO


Por Por Chiqui Avalos (*)

“A história do Brasil, vista desde o Paraguai, é outra”
(Millôr Fernandes)

Como num verso célebre de meu inesquecível amigo Vinicius de Moraes, “de repente, não mais que de repente”, alguns governos latino-americanos redescobrem o velho e sofrido Paraguay e resolvem salvar uma democracia que teria sido ferida de morte com a queda de seu presidente. Começa aí um engano, uma sucessão de enganos, mentiras e desilusões, em proporção e intensidade que bem serve a que se companha uma melodiosa guarânia, mas de gosto extremamente duvidoso.

Sucedem-se fatos bizarros na vida das nações em pleno século XXI. Uma leva de chanceleres, saídos da espetaculosa e improdutiva Rio+20, desembarca de outra leva de imponentes jatos oficiais no início da madrugada de um incomum inverno, e - quem sabe estimulados pela baixa temperatura  - se comportam com a mesma frieza com que a “Tríplice Aliança” dizimou centenas de milhares de guaranis numa guerra que arrasou a mais desenvolvida potência industrial da América Latina.

Surpresos? Pois, sim, não é para menos. Éramos ricos, muito ricos, industrializados, avançados, educados, cultos, (...)

Depois de duas décadas da derrubada de Stroessner, nos aparece Fernando Lugo. Sua história é peculiar. Era bispo de San Pedro, simpaticão e esquerdista, pregava aos sem-terra e parecia não incomodar ninguém, nem aos fazendeiros da área.
(...)
A aventura continuísta de Nicanor (o então presidente) não foi bem-sucedida, mas, com a sutileza de um príncipe da Igreja nos intricados concílios que antecedem a fumacinha branca no Vaticano, nos aparece um candidato forte à presidência da República: ‘habemus candidatum’! A batina vestia mais que um pastor, escondia um homem frio, ambicioso, ingrato e profundamente amoral.

Seu primeiro problema foi com a Santa Madre Igreja. O Santa Sé, certamente por saber algo que nós não sabíamos, vetou sua disposição política. Não, de jeito algum, ele jamais poderia ser candidato. A igreja católica combateu a ditadura do general Stroessner com imensa coragem e ação firme, mas não queria ocupar a presidência do país. “Roma coluta, causa finita” (“Roma falou, questão decidida”). Mas não para Lugo, que deixou seu bispado, despiu a batina e virou às costas a quem lhe educou e lhe acolheu no seu seio.
(...)
  
Eleito, desfez-se de todos os companheiros de jornada. Um a um. Stalin não apagou tantos nas fotos oficiais do Kremlin como o ex-bispo o fez. Mas demitiu os mais qualificados, por sinal. Restaram-lhe os cupinchas, os facilitadores de negócios e de festinhas íntimas, os “operadores” e alguns incautos esquerdistas para colorir com as tintas de um risível ‘socialismo guarani’ o governo de um homem que chegou como o Messias e terminaria como um Judas Escariotes.

Lugo poderia emprestar seu nome e sua trajetória de vida política (e pessoal, também) ao mestre Borges e tornar-se uma das impressionantes personagens da “História Universal da Infâmia”. Um infame, não mais que isso! Mal foi eleito e empossado, sucedem-se escândalos e se revela seu procedimento moral. Filhos impensados para um supostamente casto Bispo. Vários. Todos jamais reconhecidos ou amparados, gerados com mulheres as mais pobres e sem instrução alguma, do meio rural, humilhadas depois de usadas, uma delas com apenas 16 anos quando da gravidez. Se traíra a sua Igreja, por qual razão não nos trairia? E traiu.

Não passou um mês sequer durante seus três anos de governo sem que viajasse a um país qualquer. Com razão ou sem nenhuma, tanto fazia, e lá se ia ele, o alegre viajante para conferências esvaziadas ou cerimônias de posse de mandatários sem importância ou relevo para o Paraguay. As pompas do poder o abduziram como a nenhum déspota de república bananeira do Caribe. Os comboios de limusines com batedores estridentes, as festas e beija-mãos, os eternos e maviosos cortesãos do poder, as belas mulheres, as mesas fartas, os hotéis cinco estrelas, a riqueza, a opulência, os “negócios”.
O despojado ex-bispo tornou-se grande estancieiro, senhor de terras, plantações e gado.
O presidente que tomou posse calçando prosaicas sandálias como símbolo de humildade, revelou-se um homem vaidoso e fetichista. Como que a vestir a mentira em que ele próprio se tornou, passou a envergar elegantes e bem-cortadas túnicas encomendadas à alfaiates da celebérrima e caríssima Savile Row, templo londrino da moda masculina. No detalhe, o estelionato (mais um): colarinhos eclesiásticos.

Afeiçoou-se a lindas e jovens, digamos, “modelos”, que floriram sua vida e a imensa banheira Jacuzzi que mandou instalar na austera e velha residência presidencial. Muitas delas o precediam mundo afora, esperando-o em hotéis fantásticos e palácios, nas vilegiaturas internacionais. Viajavam com documentos oficiais. Kaddafi auspiciava passaportes diplomáticos a terroristas, Lugo a prostitutas.

Sua afeição pelos jatinhos e jatões chegou às raias do fetiche: passou boa parte de seu peculiar mandato a bordo deles. Fretados à empresas de táxi aéreo de outros países, mandados pelos amigões Hugo Chávez e Lula, outros emprestados sabe-se lá por uns tais e misteriosos amigos.
(...)

Obras viárias? Imagine. De infraestrutura? Nenhuma. Modernização do país? Nem pensou nisso. Crescimento econômico? Sim, mas por obra de uma agricultura forte, de empresários jovens e ambiciosos, de uma indústria florescente e de um ministro da economia,
(...)
Proporcionalmente, nem na ditadura de Stroessner (mais de três décadas), se roubou tanto quanto no governo pseudo-esquerdista de Fernando Lugo (menos de três anos).  Já com Lugo deposto, seu secretário mais forte, Miguel Lopez Perito, telefonou à diretoria da Itaipu solicitando a bagatela de US$ 300 mil para organizar uma manifestação em defesa do governo. Queria ao vivo e a cores, "na mala", por fora, não contabilizado, no "caixa 2". Que tal? Fato tornado público por um diretor da binacional e revelador do modus-operandi da verdadeira quadrilha que comandava o país.
(...)

Em Curuguaty, num despejo de terras ocupadas pelos "carperos" (os sem-terra daquí), dezenas de mortes de ambos os lados.

Lugo e seu ministro do interior, o belicoso senador Carlos Filizzola, foram avisados de que havia uma emboscada pronta para as forças militares.

Com a empáfia e a absoluta irresponsabilidade que os caracterizou do primeiro ao último dia, e fiel aos amigos que manejam o MST daquí e infernizam a vida de nossos produtores rurais (entre os quais os 350 mil brasileiros que aquí plantam, colhem e vivem, nossos irmãos "brasiguayos"), ambos ordenaram a ação que se tornou uma tragédia na história de nosso país. Poderia citar, também, o EPP (Exército do Povo Paraguaio), guerrilha formada por terroristas intimamente ligados a Lugo em seus tempos no bispado de San Pedro. Jamais as forças de segurança puderam fazer nada contra eles. Mapeados, identificados, monitorados e livres! Lugo se manteve fiel aos bandidos pelos quais mostra clara e pública afeição. Como o respeitado Belaúnde Terry, no Perú, que permitiu com seu "democratismo" o crescimento do terror representado pelo Sendero Luminoso de Abimael Guzmán, o nada respeitável Lugo é o pai e a mãe do EPP.

Fernando Lugo foi um acidente em nossa história.
(...)

Não compreendemos a posição do Brasil. Ou não queremos compreender, tanto é o bem que lhe queremos. 
(...)

O que quer o governo Dilma? 
Passar pelo mesmo vexame de Lula na paupérrima Honduras? Se afirmativo, já fica sabendo que passará. Nós temos imensa disposição de continuar uma parceria que se revelou positiva e decente para ambos os países.

Mas não sentimos ou temos pela austera presidente o mesmo terror-medo-pânico que lhe devotam seus auxiliares e ministros. Cara feia não faz história, apenas corrói biografias.

Dilma chamou seu embaixador em Assunção e Cristina fez o mesmo. As radicais matronas só não sabiam que: o embaixador brasileiro é um ausente total, vivendo mais tempo em Pindorama do que por aqui. O Embaixador Eduardo Santos é tido no Paraguay como alguém que acredita que as três melhores coisas em nosso país são ar condicionado e passagem de volta.
(...)

O Paraguay fez o que tinha que fazer. Seguirá adiante, como seguem adiante as Nações, testadas e curtidas pelas crises que retemperam a cidadania e reforçam a nacionalidade. O religioso que não honrou seus votos de castidade e pobreza e traiu sua igreja, foi por ela rejeitado. O presidente que não honrou nossos votos e nos traiu, foi por nós deposto. Deposto por incapaz, por mentiroso, por ineficiente, por desonesto. Mas, principalmente, por que traiu as esperanças de um país e um povo que precisaram dele e nele confiaram. E, por isso, Lugo não voltará.

(*) Chiqui Avalos é conhecido escritor e jornalista paraguaio. Combateu a ditadura de Stroessner e apoiou a candidatura de Fernando Lugo. É o editor de "Prensa Confidencial", influente boletim digital editado no Paraguai.

Íntegra AQUI.

Nenhum comentário:

Postar um comentário