sexta-feira, 29 de junho de 2012

Lula + 20

Por Ruy Fabiano

Há vinte anos, pouco depois da Eco-92, Luiza Erundina era expulsa do PT sob o argumento de que teria firmado uma aliança política espúria. Seu pecado: aceitara ser ministra da Administração do recém-empossado presidente Itamar Franco.
Na ótica do PT de então, que participara intensamente da deposição de Fernando Collor, ao lado dos demais partidos de oposição, Itamar Franco não estava moralmente à altura do partido. Era um político à velha moda, o que o tornava incompatível com a mensagem redentora para o país, de que o PT era portador.
O mesmo PT já havia expulsado, em 1984, três parlamentares que haviam cometido idêntica transgressão ao votar em Tancredo Neves no colégio eleitoral, contra Paulo Maluf.
Em 1988, o partido, mais uma vez se colocando acima do bem e do mal, recusara a “Constituição burguesa”, somente firmando-a sob protesto.
Em 1989, quando do segundo turno entre Lula e Fernando Collor, recusou o apoio de Ulysses Guimarães, desprezando o seu passado de líder maior na luta contra a ditadura.
Para o PT de então, a política, em seu conjunto, era uma coisa só, deletéria e perversa. E não hesitava em misturar no mesmo saco Paulo Maluf e Tancredo Neves, José Sarney e Ulysses Guimarães, Fernando Collor e Itamar Franco.
O partido não se cansava de repetir que era possível – e indispensável - um novo mundo e que a receita era monopólio seu. Mesmo líderes esquerdistas como Leonel Brizola e Miguel Arraes eram vistos como indesejáveis na construção do Paraíso pelo simples fato de que pertenciam a uma tradição que precisava ser banida. O partido deixava claro que era preciso refundar o país.
Duas décadas depois, Lula, supremo comandante da legião redentora, deixa-se fotografar num efusivo aperto mão no jardim da casa de Paulo Maluf, ao lado de seu candidato à prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad.
O simbolismo da fotografia, estampada com destaque nos telejornais, jornais e na internet, colocou-o numa situação que, em política, é um desastre: precisou explicar-se. Pior: não conseguiu.
Erundina, hoje no PSB, aproveitou a deixa para uma saída triunfal, um acerto de contas com o que lhe fizeram no passado. Mas não deixou de trair certa cumplicidade com a lambança.
Disse que havia aceitado a coligação na expectativa de alguma discrição. Seria uma aliança com forças conservadoras, sem foco em nenhuma personalidade, muito menos Paulo Maluf, que se tornou um arquétipo do mal na política brasileira, ainda que, sob alguns aspectos já tenha sido ultrapassado por uma penca de discípulos mais jovens.
A política tradicional, que o PT e Erundina abominavam, previa esse tipo de parceria circunstancial, entre contrários. Erundina topara a ela se associar, mas, diante da foto, ficou também sem explicações a dar. Preferiu faturar o episódio.
Entre a rejeição a Tancredo e Ulysses, a chegada ao poder e o abraço em Maluf, o PT mostrou-se, nas palavras do próprio Lula, uma metamorfose ambulante. O detalhe é que se metamorfoseou sempre naquilo que considerava o mal.
O governo Lula seria condenado pelo Lula dos anos 80 e 90. Manteve a política econômica que considerava lesiva ao país e exibiu práticas que o próprio Maluf não teria a audácia de fazê-lo.
De Waldomiro Diniz aos aloprados, passando pelo Mensalão, tem-se um corolário inédito de ataques ao erário, a princípio discretos, depois escrachados. Também aí houve uma transição.
Ao tomar posse, Lula recusou uma aliança formal com o PMDB, proposta por José Dirceu. Optou pelo que Erundina chamaria de aliança discreta com forças conservadoras. O PMDB seria (e foi) como a amante, que se frequenta pela porta dos fundos.
No segundo governo, o partido já optara claramente pelo fim da encenação. Se com Mensalão e tudo Lula fora reeleito, que vergonha poderia ter do PMDB? O partido de Sarney e Renan Calheiros, impedido de casar na igreja, atraiu o PT para um casamento no Bataclan da política.
Lula, sentindo-se um orixá, não teme coisa alguma, mesmo quando o tiro lhe sai pela culatra. Escalou o ministério de Dilma e preparou-se para continuar governando por controle remoto, mas, em seis meses, seis dos ministros que indicara haviam sido demitidos por corrupção.
Concebeu uma CPI para, simultaneamente, vingar-se da oposição e criar uma cortina de fumaça para o Mensalão, que queria fora de pauta este ano.
Não conseguiu, mesmo assediando ministros do STF. O efeito negativo da foto com Maluf, porém, oferece a síntese mortal de desconstrução de um discurso que, na prática, em vez de levar ao Paraíso, confirmou o inferno como instância real (e tradicional) da política brasileira.

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