quarta-feira, 28 de maio de 2014

'ESSES BABACAS DO METRÔ'

FERNANDO GABEIRA

Houve um tempo em que esperávamos a Lua entrar na sétima casa, Júpiter se alinhar com Marte e a paz reinar no planeta. Era a aurora da era de Aquarius. Aquarius, Aquarius. As mulheres arrancando os sutiãs, os homens com calça boca de sino, cavalos da polícia dançando, tudo porque a Lua tinha, finalmente, entrado na sétima casa.
Nossas esperanças hoje são mais prosaicas. Em vez de Júpiter se alinhar com Marte, contemplamos o alinhamento da Copa do Mundo com as eleições no Brasil. E os nervos estão mais sensíveis. Na cúpula, governo e Fifa se estranham. Para Jérôme Valcke, o contato com as autoridades brasileiras foi um inferno. Para Dilma Rousseff, Valcke e Joseph Blatter são um peso.
É o tipo de divórcio que não se resolve com as cartomantes que trazem de volta a pessoa amada em três dias. Eles se distanciam num mero movimento defensivo. Quem será o culpado se as coisas não derem certo?
Dilma, com a Copa das Copas, quer enfrentar a eleição das eleições e põe toda a sua esperança nos pés dos atletas. A Fifa não gostaria de entrar numa gelada no Brasil, mesmo porque o Qatar a espera com calor de 52 graus. Seriam dois fracassos seguidos, pois Blatter já admitiu que o Qatar foi um erro.
Essa conjunção histórica está levando a uma certa irritação da cúpula conosco, que não inventamos essa história. Blatter declarou que os brasileiros precisavam trabalhar mais porque as promessas de Lula não foram cumpridas. Nada mais equivocado do que essa visão colonial. Se Blatter caísse no Brasil e vivesse nossa vida cotidiana, constataria que trabalhamos muito mais que ele mesmo, um cartola internacional. Desde quando o objetivo do nosso trabalho é cumprir as promessas de Lula?
A tática de Lula é diferente da de Blatter. Lula não critica nossa insuficiência no trabalho, mas nossas aspirações de Primeiro Mundo. Ele, que vive espantando o complexo de vira-latas, apossando-se politicamente de uma frase de Nelson Rodrigues, nos convida agora a reviver o espírito que tanto condena: "Querer vir de metrô ao estádio é uma babaquice. Viremos a pé, de jumento...". Para Blatter, precisamos trabalhar mais; para Lula, desejar menos. Só assim nos transfiguramos na plateia perfeita para o espetáculo milionário.
(...)
Estamos entrando num momento inédito. Dilma é vaiada em quase todo lugar por onde passa. Lula está visivelmente ressentido com o povo, que não o celebra pela realização da Copa; que é babaca a ponto de desejar ir de metrô ao estádio.
Não importa qual deles venha. "Que vengan los toros", como dizem os espanhóis. Não importa quantos gols nosso ataque faça - e espero que sejam muitos -, a glória do futebol não obscurece mais nossas misérias políticas e sociais. Se os idealizadores da Copa no Brasil fizessem uma rápida pesquisa, veriam que o sonho de projetar a imagem de um país pujante e pacífico está ardendo nas fogueiras das ruas, na violência das torcidas, no caos cotidiano nas metrópoles, nos relatos sobre a sujeira da Baía de Guanabara.

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