domingo, 26 de junho de 2011

Paulo Renato: a competência generosa

Por José Serra
(Publicado no Estadão.com.br em 26/06/2011 sobre o ex-ministro Paulo Renato Souza, que faleceu na noite de sábado aos 65 anos)


“Zé, vou te dizer uma coisa: poucas vezes estive tão bem, tão feliz, como agora.”
Ouvi isso do Paulo Renato num momento do balanço de vida que fizemos na noite do domingo passado, no seu apartamento.
O pretexto do encontro foi a reativação do Instituto Social-Democrata, que ele presidia.
Mas esse tema exigiu pouco das três ou quatro horas em que lá estive.

Ele acabara de voltar de um hospital de Porto Alegre, onde fora acompanhar a mãe, que tinha sofrido uma cirurgia.
O relato da viagem deu lugar a uma conversa descontraída, sem agenda, de amigos antigos e profundos, com um pouco sobre tudo — o estado das artes de cada um de nós, a situação dos filhos, episódios comuns do passado, pessoas que desapareceram prematuramente e até a saúde pessoal dele.

Ali estava o Paulo, fisicamente bem disposto, animado com o novo trabalho e, naquela altura da vida, sem amarguras ou ressentimentos, satisfeito com o que fizera pela educação no Brasil e em São Paulo, entusiasmado com a visita da sua filha mais jovem, que mora no México, com seus dois netos, mostrando-me até o quarto que tinha preparado para hospedá-los.
Aliás, ele sempre foi um pai atento e carinhoso para seus três filhos.

Uma das virtudes do Paulo Renato sempre foi o espírito prático – estudar bem os assuntos, avaliar, fazer acontecer.
(...)

Sua gestão fez enorme diferença para a educação brasileira.
Ele conseguiu aprovar a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação e abriu o caminho para as grandes avaliações sobre a situação do nosso sistema de ensino, criando o ENEM e o SAEB, inicialmente tão hostilizados pelas corporações mais partidárias (e reacionárias) da área educacional.

Com sua equipe, Paulo Renato concebeu e implantou o Fundef — marco do reforço da educação básica no Brasil, e contra o qual votaram as bancadas do PT da Câmara e no Senado.

O fundo levou mais recursos e descentralização para o ensino fundamental e associou-se a uma das fases de maior expansão do número de crianças na escola, que chegou no limiar dos 100% — ou seja, à universalização do ensino básico.

Foram dele, também, o estabelecimento dos Parâmetros Curriculares Nacionais, o primeiro programa de disseminação massiva do Ensino Técnico no Brasil e a criação do programa Bolsa-Escola, que, junto com a Bolsa Alimentação e outros programas do período, deram lugar ao Bolsa Família.

Note-se que o Bolsa- Escola partiu do zero e avalie-se, então, o tamanho da competência dos seus gestores iniciais, que o implantaram, com o ministro Paulo Renato à frente.

Por último, apesar da badalação do governo Lula em relação às universidades federais, Paulo Renato pôde registrar que, durante o governo de Fernando Henrique, o crescimento de matrículas foi de 6% ao ano, contra 3,2% entre 2003 e 2008 – seis anos do governo seguinte.

No seu segundo período como secretário da Educação em São Paulo — tinha sido secretário também do Franco Montoro —, entre 2009 e 2010, quando fui governador, Paulo Renato construiu os pilares das reformas mais profundas em nível estadual já feitas no Brasil nas últimas décadas – iniciadas, diga-se, antes de ele assumir a secretaria por pessoas de sua equipe no ministério, como a Maria Helena Castro.

Entre muitas outras coisas, foi introduzido o mérito – avaliado individualmente e por meio de resultados — como fator relevante de promoção e remuneração.

Foi consolidado o programa Ler e Escrever (incluindo a elaboração de material didático para alunos e professores) e criada a Escola do Professor, que ministra quatro meses de cursos posteriores à aprovação de candidatos nos concursos do magistério, a fim de aprimorar suas condições pedagógicas.
(...)

No encontro de domingo à noite, evocando sua passagem pelo Institute for Advanced Study de Princeton, onde eu morava e trabalhava, durante todo o verão de 1977, Paulo lembrou da motivação original da viagem: operar os olhos de dois de seus três filhos, feridos pela explosão de um artefato deixado num lugar descampado pelo militares que promoveram o golpe de 1973 no Chile, em alguma de suas ações de controle de território ou pura repressão.
Num passeio campestre de toda a família, em 1975, ocorreu a tragédia, por sorte sem consequências graves no longo prazo.

Eu sugeri que ele escrevesse sobre esse período (e outros) de sua vida e relatasse, do seu ângulo, a experiência que viveu no Chile do general Pinochet, incluindo suas ações de solidariedade aos perseguidos na época, como eu próprio.
Ele respondeu que seria até prazeroso fazê-lo, que já tinha até pensado em anotar fatos e ideias.
Quis a fatalidade que isso agora fique por conta dos seus amigos.
O relato de uma vida que fez tanto bem ao nosso povo.


Íntegra AQUI.

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