segunda-feira, 25 de março de 2013

ERROS E MEIAS VERDADES

O Estado de S.Paulo (Editorial)

Entre as obrigações que, no seu entender, o cargo que ocupa lhe impõe, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, citou a de "tentar viabilizar" projeções otimistas. Postas assim as coisas, como fez o ministro durante audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, parecem justificadas todas as suas previsões, mesmo as mais disparatadas, como a feita no início do ano passado, quando previu que, apesar do quadro de grandes dificuldades da economia mundial, a economia brasileira cresceria 4%. O resultado apurado pelo IBGE, como se sabe, foi uma expansão de apenas 0,9%.
(...)

No plano interno, a seu ver, as medidas de estímulo ao crescimento começam a produzir efeitos e, por isso, a economia já mostra um crescimento maior. "Estamos numa trajetória gradual de aceleração da economia, enfrentando as dificuldades que continuam na economia internacional", afirmou. E foi um pouco além, ao dizer que acredita que a economia pode crescer 4%, mais do que os 3%, em média, que os economistas privados estão prevendo. Tomara que acerte desta vez.

Mas o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) apontou razões para duvidar. "Pelos números do PIB dos últimos dois anos, percebemos que a bola de cristal de V. Exa. continua quebrada", disse o senador ao ministro. "Não sabemos se é pior a incompetência ou a mentira deliberada, e estamos preocupados com as consequências."

Em resposta, o ministro reconheceu que "minha bola de cristal pode ter tido alguns defeitos, mas costuma funcionar". Às vezes, reconheça-se, até acerta.

A despeito dos prejuízos que erros grosseiros de projeção, deliberados ou não, causam à imagem das autoridades, eles são menos graves para a credibilidade da política econômica do que meias-verdades que essas autoridades transformam em argumentos para defender suas ações. Em pelo menos dois momentos o ministro da Fazenda utilizou esse recurso durante a audiência na CAE do Senado.

Um dos momentos foi quando tratou da política fiscal, cuja execução se tornou mais difícil por causa da estagnação da arrecadação tributária em decorrência do mau desempenho da economia. Para atingir o superávit primário sem cortar despesas de custeio nem reduzir o ritmo em que vem concedendo benefícios tributários a setores escolhidos, sob a justificativa de estimular a atividade econômica, o governo vem lançando mão de recursos contábeis. Entre eles estão a apropriação antecipada de dividendos de estatais e a exclusão de investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do cálculo do superávit primário.

O senador paranaense disse que esse procedimento equivale a "truque", "manobra contábil" e "kit maquiagem". Em resposta, o ministro afirmou que tudo está de acordo com a lei orçamentária e com a Lei de Responsabilidade Fiscal. De fato, está. Mas esse tipo de artifício torna obscura a política fiscal, o que corrói sua credibilidade.

Outro momento em que usou a meia-verdade foi quando tratou da inflação, para garantir que não há risco de ela ficar acima da margem de tolerância da política de meta inflacionária. Também neste caso ele está certo. Mas é preciso observar que a meta, mantida há vários anos, é alta, se comparada à inflação média dos países ricos, e sua margem de tolerância é ampla demais, o que dá grande folga ao governo. Mesmo assim, o governo vem agindo de maneira atabalhoada, tentando conter preços e tarifas por meio de acordo políticos ou de seguidas reduções de tributos, o que torna sua política econômica ainda mais questionável. Em cortes de despesas, nem pensar.

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